Atraso no pagamento das rendas: como proceder?

Ana João de Castro

2019-11-21

21 de Novembro de 2019


O contrato de arrendamento é inevitavelmente uma figura cada vez mais popular entre os portugueses, tendo em conta que se trata de um fenómeno que se estende a todas as idades (desde jovens trabalhadores, a estudantes e pessoas idosas) e categorias socioeconómicas. Acontece que esta prática gera algumas dúvidas entre senhorios e arrendatários, destacamos hoje o caso do atraso no pagamento das rendas, que passamos a esclarecer. Ora, da celebração de um contrato de arrendamento nasce a obrigação do arrendatário pagar ao senhorio uma contraprestação mensal no valor convencionado (a renda) e a obrigação do senhorio proporcionar o gozo da coisa objeto do referido contrato.

E se o arrendatário deixar de cumprir esta obrigação? Como é sabido, é inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento nos casos em que o arrendatário deixe de efetuar o pagamento de rendas por um período igual ou superior a três meses, nos termos do n.º 3 do artigo 1083.º do Código Civil (doravante CC). Este preceito levanta dúvidas, pois os três meses tanto se podem referir a três meses de renda como a três meses de mora. No entanto, apesar da má técnica legislativa, entende-se que o sentido da norma é o de haver mora relativamente a três meses de renda.

Vejamos o seguinte exemplo: se, em setembro, ainda estiverem em falta o pagamento das rendas relativamente aos meses de junho, julho e agosto, há fundamento para o senhorio resolver o contrato; por sua vez se ,em setembro, apenas estiver em falta a renda referente ao mês de abril, apesar da mora ser superior a três meses, não há fundamento para a resolução do contrato. Porém, se o senhorio pretender resolver o contrato com base na situação descrita supra, através de comunicação dirigida ao arrendatário, importa referir que a mesma fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês, sendo que apenas pode usar esta faculdade conferida pela lei, uma vez em cada contrato. E nos casos em que o arrendatário efetua o pagamento das rendas, frequentemente, com atrasos? Se o arrendatário estiver em mora superior a oito dias, no pagamento das rendas, por mais de quatro vezes, que podem ser seguidas ou interpoladas, num período de doze meses, também é inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, devido à quebra da relação de confiança existente. Mas, decorre do n.º 2 do artigo 1041.º do CC que o arrendatário poderá sanar a mora nos oito dias seguintes ao vencimento da obrigação, impedindo a resolução do contrato e uma eventual indemnização a favor do senhorio - pelo que, na prática, serão estes os oito dias que relevam para resolução do contrato com fundamento em atrasos reiterados no pagamento das rendas.

Em ambas as situações descritas, que constituem fundamentos de resolução do contrato de arrendamento, o senhorio goza de um prazo de três meses a contar do último facto que constitui este direito de resolução, sob pena de caducidade (extinção do direito por força do seu não exercício em determinado período). Face ao exposto, parece-nos que a lei atribui uma proteção demasiado alargada ao arrendatário, deixando o senhorio numa posição fragilizada, tendo em conta as elevadas faculdades que o arrendatário poderá utilizar, por forma a impedir a resolução do contrato, "obrigando" o senhorio à manutenção de um contrato de arrendamento cuja confiança já foi defraudada aquando do primeiro incumprimento ou atraso.