Editorial 19 de Outubro de 2017

Fátima Anjos

2017-10-19


106 mortes. “Somos um Estado falhado”,afirmou Miguel Sousa Tavares na noite da última segunda-feira no habitual espaço de comentário de que é protagonista no Jornal da Noite da SIC.

Mas o que é um Estado falhado? É um Estado que permite a morte de 106 pessoas em dois ou três dias de incêndios e num espaço de apenas 4 meses. Não somos um país terceiro-mundista (pensávamos nós) para desculpar aquilo que aconteceu com catástrofes naturais. Não posso, de forma alguma concordar com isso, por isso, farei parte de um grupo de pessoas que defende que é preciso apurar responsabilidades e fazer pagar quem contribuiu ou tinha possibilidades de evitar ou minimizar esta tragédia e não o fez. 

Ninguém pôde ficar indiferente às declarações de Jaime Marta Soares, quando o Presidente da Liga Portuguesa de Bombeiros veio dizer, também na segunda-feira, que havia pedido para não haver cortes nos dispositivos de combate a incêndios após o término da Fase Charlie, em finais de setembro. Pedido que não foi atendido, mesmo com as memórias de Pedrogão a entrar-nos diariamente pela casa dentro, através da caixinha mágica, que é a televisão, e que passou a ser um canal de transmissão de um horror sem fim. Mas que precisamos de ver e sentir para não esquecer mas, principalmente, para exigir uma alteração de paradigma e a implementação de políticas estruturantes que possibilitem a defesa da vida humana mas, também, a defesa do nosso património ambiental e edificado.

Todos sabemos que não será a demissão da Ministra da Administração Interna que resolverá este problema – a que alguns já associam uma organização terrorista que teima em queimar o país para usufruto de alguns. Mas também deveremos saber que depois de 106 mortes, Constança Urbana de Sousa não teria condições para continuar no cargo. Já vimos Governos inteiros caírem por muito menos… 

Vivi quatro anos da minha vida no Alto Alentejo, em Portalegre, tendo convivido de perto com as consequências de um país que esqueceu o interior e com isso também as suas gentes. Uma população envelhecida, sem condições para cuidar do seu território, o mesmo território que carece de melhores acessibilidades e de meios que possam assegurar o seu bem-estar e segurança.

Todos deveríamos saber que seria uma questão de tempo para que estas fragilidades se viessem a revelar. Mas nunca esperaríamos que o fossem de forma tão cruel.

Vai demorar muitos anos para se fazer o caminho inverso, mas o dia 1 deve ser já hoje. Não podemos apenas fazer desaparecer a cinza que na última segunda-feira se alojou nos parapeitos das nossas janelas. 

Já não volta a dar, na história do nosso país, o Governo de António Costa ficará para sempre associado à ocorrência destas duas grandes tragédias. Mas este terá agora também a oportunidade de escrever uma nova página na história de Portugal ao ser protagonista da maior e melhor reforma que a nossa floresta já conheceu. Será preciso alguma coragem, para dizer “não” a eventuais poderes instituídos, mas é o mínimo que agora poderá ser feito em memória dos 106 portugueses que enfrentaram o inferno e perderam a vida numa luta desigual contra o poderio das chamas.

Dias tristes, os do Nosso Portugal…