Com Dinheiros Públicos não há lugar a Negócios Secretos

Eugénio Silva

2019-06-19


Confesso que acreditava, resultante do acumular do saber e do vivido, já nada neste mundo me vir a surpreender. Espantoso equívoco o meu, uma vez ter testemunhado um insólito e invulgar exercício político, ocorrido na última reunião ordinária da vereação da Câmara Municipal de Vizela (CMV), protagonizado pelo seu presidente.
Com efeito, no período destinado à intervenção do público, um simples mas bom cidadão, daqueles que se batem pela transparência da vida política em democracia, dos que só vergam a cerviz a Deus – em que muito por estas razões o torna meu particular amigo - desejava colocar questões simples, mas plenas de atualidade e pertinência, acerca da obra irregular de encanamento do ribeiro de Sá e do Projeto de Requalificação do Adro da Igreja de Santa Eulália. Apesar de o munícipe ter cumprido o preceituado no atual Regimento da CMV, foi inacreditável presenciar o responsável máximo pela autarquia a não só recusar-lhe as respostas e a prestação dos devidos e necessários esclarecimentos como, arbitrariamente, negar-lhe o direito à palavra, sob pretexto – falacioso - que as questões que desejava colocar eram criações minhas. Não quero perder a oportunidade de louvar e agradecer esta assombrosa defesa de “direitos de autor”. Contudo, estou certo, quando em causa estão a verdade e a transparência dos negócios públicos, não há lugar a privilégios, que apenas servem aqueles que desejam a perpetuação da opacidade e da mentira.
Não vou, não sei, questionar da legalidade ou da ilegalidade dessa decisão. Entendi-a, no entanto, como uma atitude muito infeliz e inoportuna, a roçar o despotismo, a deselegância e, mesmo até, a menorização, que nem mesmo o convite público entretanto endereçado ao munícipe, para se discutir no gabinete presidencial todas essas e outras questões servem de desculpa. Evidencia-se, assim, que, ao invés da clarificação, há uma clara intenção de se continuar a ocultar um negócio que deveria ser público, potenciando o mistério e legitimando a suspeição. É uma luzidia fuga, qual Diabo da Cruz, à prestação de contas acerca de um negócio opaco que deveria ser translúcido. É uma velha estratégia, muito útil e própria de quem esconjura a verdade, que consiste em expurgar das atas, ou seja, da memória futura, tudo o que possa vir a embaraçar e comprometer os detentores do atual poder autárquico.
Politicamente, em torno das trapalhadas sem fim em que envolveram o Projeto de Requalificação do Adro da Igreja de Santa Eulália, o desfecho lógico e adequado passaria por dar um epílogo a esta triste novela, matando-a à nascença com uma explicação por mais estapafúrdia que fosse. Mas não. Assim, ficou por demais evidente que é preferível manter-se em segredo um negócio que deveria ser público e cristalino a aproveitar-se outra oportunidade soberana de encerrar o caso. Nestas circunstâncias, caminhará para nível secundário o pedir explicações para a compra da obscura “Bouça de Agros ou Pendal”, pelo valor de 26 000,00 €, a quilómetros de distância da igreja, mesmo que todos reconheçam ser uma prática política inadmissível e incompaginável com as regras e os valores democráticos. Por isso, esperançado que também possa vir a merecer o privilégio das explicações secretas no recato dos gabinetes camarários, opto, agora, por perguntar: o que querem manter oculto a sete chaves? Quem desejam encobrir? 
Certos que não lograremos obter as respostas desejadas, a bem de Vizela e da Democracia, na defesa do rigor, da verdade e da transparência dos negócios públicos, espera-se e deseja-se que o simples mas bom cidadão, um daqueles homens que sempre se bate pela transparência da vida política em democracia, um daqueles que só verga o pescoço ao Criador, nos conceda a graça de tornar público o que o município deseja secreto.