Camilo, um amor de perdição

Hélder Magalhães

2019-06-19

“Era, pois, em 1851, aos 15 de Junho, nas Caldas de Vizela.”


Seria deveras interessante, passados cento e sessenta e oito anos, observar Camilo “entre os salgueiros que enverdecem uma ilheta acima da ponte que hoje chamam «velha»”. 
É neste sinceiral que se dá o começo da novela Gracejos que Matam. Entre quais personagens se daria hoje o duelo, quem seria capaz de melhor esgrimir os argumentos, ferindo de morte o adversário? O mais certo seria Camilo concluir que o ar sulfúrico de Vizela continua a fazer vítimas.  
Camilo Castelo Branco procurou em Vizela a cura para as suas maleitas. 
As temporadas passadas nas termas fizeram eco na sua literatura, sendo a narrativa de Gracejos que Matam o exemplo mais flagrante desse facto. Aqui travou conhecimento com as mais diversas personagens, alimentando a trama nos meandros das margens do Vizela. A leitura da referida novela permite-nos fazer essa travessia, com uma distância temporal de vinte anos. 
O narrador faz questão de nos elucidar para pormenores do antes e depois, as transformações ocorridas durante esse período, como, por exemplo, nos demonstra a seguinte passagem: “Ao repontar da manhã, atravessámos o Vizela por umas alpondras sobre as quais se encurvam hoje os arcos da Ponte Nova.” A vida de Camilo talvez tenha sido um contínuo duelo consigo mesmo, ao qual decidiu pôr termo com uma bala na cabeça. Deixou-nos uma obra inigualável, em quantidade e qualidade. Ser parte desse murmúrio que percorre a corrente das páginas devia ser um privilégio para nós, enquanto vizelenses. 
Certamente, o nosso olhar readquiria uma nova forma de olhar vários elementos que fazem parte da nossa cultura e património.  “Estava eu a entalhar um M na casca de um amieiro. Era a inicial de uma das cinco Marias que eu amava.”