A propósito da Senhora da Lapa

Pedro Marques

2018-09-20


E amigos leitores,  estamos quase a dar por terminada a publicação das nossas impressões a respeito da Senhora da Lapa. Numa deslocação que a este Santuário fizemos na busca de uma FÉ de afectos. De uma Fé iluminada pela FÉ de meus pais e de uma época em que o quotidiano era uma vivência à volta da igreja paroquial. Uma Fé de vida que era o centro do nosso viver. E tudo o mais acontecia na periferia e era secundário. Num tempo em que a nossa FÉ era, na verdade, uma FÉ de mover montanhas e não uma fé enredada no emaranhado das preocupações da vida e das interrogações. Onde até a maior desgraça, por ser “vontade de Deus”, se aceitava com resignação. Numa interpretação na carne das provações de Job. Homem da Bíblia, que, afinal nem sequer existiu. E por este andar, os fundamentos da Bíblia (Antigo Testamento) de tão abalados que estão a ser, sucumbirão mesmo ao da desmistificação de passagens que se tinha como reais e verdadeiras, mas não passam, afinal, da ficção. Ora, se Adão e Eva não foram pessoas humanas, mas tão somente figuras poéticas; se os próprios Abel e Caím também não passam de criações poéticas, para além de tantos outros personagens como no caso de JOB que é mais um poema à aceitação da resignação, por este andar só as ruas da amargura restarão a quem na Bíblia (Antigo Testamento) fundamentava a sua fé. Atenção que isto é não invenção nossa. Leia-se, por favor, a Revista Bíblica dos padres capuchinhos.
Hoje, por outro lado, a nossa Igreja, nas aldeias sobretudo, vive o “conforto” da desnecessidade de “renovar e inovar a evangelização”. Na nossa interpretação e constatação, infelizmente a nossa Igreja adormeceu de saturação e cansaço e comodismo e esgotamento de alternativas. E está a deixar-se ultrapassar pela dinâmica da FÉ de igrejas evangélicas, audaciosas no seu apostolado, num trabalho de insistência e persistência mesmo porta-a-porta, quando a nossa Igreja se encasulou nos seus rituais cristalizados. E quem precisar do padre que o procure, já que este entende que não deve andar à procura das pessoas, pois estas sabem muito bem onde é o cartório… Mas, nos horários de atendimento, como se a necessidade de Deus se subordinasse também a um horário. E, mesmo no erro (?) os cristãos evangélicos dão-nos lições de FÉ militante autêntica. Onde todos – adultos e juventude! - cantam em uníssono e de livro de cânticos na mão e oram e meditam na Palavra que vai sendo proclamada. Num compromisso de vida. Sem homilias de palavras enroladas sem conteúdo nenhum.
Ora, para nós, esta fé adormecida desde há muito que não nos basta. E, num regresso ao passado, andamos a recuperar pedaços desta nossa FÉ de criança e de jovem pelos mais diversos caminhos e guiados pela nossa maneira de ver e entender os acontecimentos. Se a nossa consciência e maneira de pensar são mais exigentes e de modo diferente; e se temos o direito – e o dever! - de pensar como pensamos, por que haveríamos nós de pensar então pela forma de pensar só dos outros? “Não existe pior prisão do que uma mente fechada”. Se pensamos como pensamos, é porque Deus assim o permite e essa liberdade me dá.  Estou a trabalhar os talentos que Ele me confiou. Pensamos de forma errada? E quem nos garante que a forma de pensar de outros até hoje é que é a correcta?... Não é a VERDADE um fenómeno em contínua recriação? Não será abuso e orgulho presunçoso a apropriação da exclusividade da VERDADE?
Ora bem: neste nosso peregrinar na recuperação de cacos de uma Fé que veio a ser muito abalada face a acções que, se por um lado entendemos não foram as que a caridade cristã deveria praticar, por outro o descalabro de escândalos que a comunicação social vomita cá para fora além dos que ainda continuam escondidos, . Na evidência do imperativo de uma barrela urgente que se impõe e purifique a Igreja dos seus mercenários e maus ministros, acomodados no seu “profissionalismo” institucionalizado em prejuízo do apostolado. E também por isto chegámos a um estádio de vida em que sentimos necessidade da nossa FÉ de menino e de jovem adulto, onde nada se questionava, porque, nesse tempo, a VERDADE era inquestionável. E temos, por isso, andado por diversos locais de FÉ. E inscrevemo-nos, de forma plena e consciente, como “irmão” de diversas confrarias, não obstante parte delas serem manipuláveis cobiçadas, porque “apetecíveis”. E, hoje, somos “irmão” das Confrarias da Senhora do Rosário (Tagilde); da Senhora do Sameiro; da Senhora da Lapa. E desta, porque tivemos uma espécie de “revelação” que nos interpelou no sentido de termos dado o passo que démos. Fica longe a Senhora da Lapa?...Para a FÉ como para o Espírito, não há distâncias. Tudo É e tudo ESTÁ onde nós estamos. O certo é que passámos a ter pela Senhora da Lapa uma veneração diferente. Ali, o Espírito manifestou-se-nos com mais insistência e com mais sentido de Infinito.
E com a última visita ao seu templo, então mais enriquecidos espiritualmente ficámos.  Não pelo seu aparato e monumentalidade da História que lhe é auréola, do santuário ao espaço envolvente. Mas pela simplicidade de Fé sentida e vivida na mensagem dos seus altares, como aulas de apologética de catequese através da linguagem da Arte pela imagem na sua simplicidade ingénua, cada um deles com a sua mensagem que pelos olhos nos entra na alma e no nosso pensamento e amansa os nossos questionamentos intelectuais. Na simbiose da simplicidade da FÉ do POVO e da FÉ doutrinária pura, contida nos evangelhos sem manipulações nem apropriações. E foi nesta simplicidade aparente, mas para nós tão profunda, que nos levou a ter um carinho especial, neste caso, por Nossa Senhora (na Lapa), Mãe de Jesus. Em local ermo em plena serra e mais perto do céu na reverência granítica das “terras do demo”, cuja carga negativa ficou, para nós, diluída no apelo que lá sentimos para o fascínio do Sobrenatural e onde muita lágrima de almas sofridas no além e no aquém, e se condensa na água pura que dali “voga” e alimenta as fontes do rio Vouga.
Para nós, mais que o Sameiro ou a Senhora da Assunção, ou Fátima, é o santuário da Lapa a montanha da nossa Fé reerguida. Quem sabe se também porque foi uma criança inocente pastora que a Sua imagem pequenina encontrou e dela fez sua boneca de brinquedo?... A FÉ, quando é mesmo FÉ, remove montanhas e desce à extrema simplicidade de uma criança se entreter brincando com a Mãe de Jesus!...
NOTA:
A nossa homenagem à Exma D. Agostinha Ribeiro, elo de ligação, desde quase há trinta anos, entre as montanhas de S. Bento e da Senhora da Lapa. Desconhecíamos a generosa e desinteressada colaboração que esta senhora dispensa em momentos importantes na vida religiosa e espiritual da Senhora da Lapa e de que acidentalmente e para orgulho nosso, viemos a ter conhecimento.
O nosso bem-haja por isso.
Com o abraço amigo de sempre,